Vovó já não se lembra de mim. Ou
lembra-se, mas não diz nada. Cansada de falar das velhas coisas, calou-se de
vez. Oitenta anos atrás, ela subiu em um pau de arara com a família e
foi embora do Piauí. Viajou de vapor no São Francisco, ônibus velho, lombo de
cavalo, para chegar naquele lugar, que de tão vazio, até parecia o futuro. E
futuro foi por algum tempo, muito tempo, mas logo o futuro fez anos, filhos, netos, e seu tempo descambou-se em um presente
inegável, dia após dia, consumido por todo tipo de história, boa e ruim.
Então, sessenta e cinco anos mais tarde, seu neto pegou um avião e foi embora de
lá (futuro dela, passado seu); repetindo as minúcias da velha história,
procurando, quem sabe, as mesmas coisas de quem não cabe exatamente onde nasceu. É que nessa vida existem dois tipos de gente: gente de nascer e morrer, e gente de
ir embora. Nenhuma explicação é tão dura, nem tão simples. A ternura é poder
entender que por mais que se ame e se queira atravessar os séculos na insistência
de um encontro, o tempo caduca as coisas para que elas signifiquem mais
longe que a própria vida.
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