Ela saiu tarde da noite. Era onze de maio de dois
mil e dez. Saiu carregando uma argola com quinhentas chaves penduradas a
ela. E o chacoalhar daquelas chaves ouviu-se ecoar por toda Paris. Uma menina
sem nome, escondida em um moletom azul, de capuz na cabeça e um chacoalhar de
estremecer o sono dos corações mais serenos.
Ali
pela Ponte das Artes, onde por algum motivo os amantes se amarravam em cadeados
eternos, a menina parou finalmente. Reparava os cadeados com estranha piedade. Ajoelhou-se com seu molho de chaves na mão
e, sem maior cerimônia, prestou-se a destrancar todos os cadeados que por acaso
coubessem em suas possibilidades. Fez tudo calmamente, como em um ritual
sagrado, como em uma cirurgia; um pouco como se libertasse dois
mil corações de uma dura eternidade.
Quando ela terminou seu ritual, a menina jogou os
cadeados abertos sobre o Sena. Não disse uma única palavra; não murmurou reza ou
ressentimento. Apenas ajeitou os cabelos para dentro do capuz e
voltou para casa com a mesma serenidade que duas horas antes havia partido.
Mas enquanto caminhava de volta, ela sentia nascer a derradeira esperança de que nos cantos mais distantes do mundo, olhares estranhavam-se pela primeira vez, beijos amargavam como alimentos estragados na boca, e a intimidade cansada de velhos corações acorrentados finalmente estava livre para escolher entre ficar ou partir; entre amar ou viver condenado ao amor.
Mas enquanto caminhava de volta, ela sentia nascer a derradeira esperança de que nos cantos mais distantes do mundo, olhares estranhavam-se pela primeira vez, beijos amargavam como alimentos estragados na boca, e a intimidade cansada de velhos corações acorrentados finalmente estava livre para escolher entre ficar ou partir; entre amar ou viver condenado ao amor.
1 comment:
Finalmente outro texto. Obrigado.
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