Wednesday, March 06, 2013

Dois mil amores


   Ela saiu tarde da noite. Era onze de maio de dois mil e dez. Saiu carregando uma argola com quinhentas chaves penduradas a ela. E o chacoalhar daquelas chaves ouviu-se ecoar por toda Paris. Uma menina sem nome, escondida em um moletom azul, de capuz na cabeça e um chacoalhar de estremecer o sono dos corações mais serenos. 

   Ali pela Ponte das Artes, onde por algum motivo os amantes se amarravam em cadeados eternos, a menina parou finalmente. Reparava os cadeados com estranha piedade. Ajoelhou-se com seu molho de chaves na mão e, sem maior cerimônia, prestou-se a destrancar todos os cadeados que por acaso coubessem em suas possibilidades. Fez tudo calmamente, como em um ritual sagrado, como em uma cirurgia; um pouco como se libertasse dois mil corações de uma dura eternidade.

    Quando ela terminou seu ritual, a menina jogou os cadeados abertos sobre o Sena. Não disse uma única palavra; não murmurou reza ou ressentimento. Apenas ajeitou os cabelos para dentro do capuz e voltou para casa com a mesma serenidade que duas horas antes havia partido. 

   Mas enquanto caminhava de volta, ela sentia nascer a  derradeira esperança de que nos cantos mais distantes do mundo, olhares estranhavam-se pela primeira vez, beijos amargavam como alimentos estragados na boca, e a intimidade cansada de velhos corações acorrentados finalmente estava livre para escolher entre ficar ou partir; entre amar ou viver condenado ao amor.

1 comment:

Victor said...

Finalmente outro texto. Obrigado.