Thursday, May 17, 2012

Controvérsias

Era filho de Iansã, lindo e inconstante como uma tarde de março. A qualquer hora ele chove, alguém disse sem muito ser compreendido. Contam que ele caminhava sempre por Ipanema, descalço, cantava sempre a mesma música de Caetano, ou era do Chico, não sei. Parece que chorava ouvindo essa música no rádio, ou era suor confundindo lágrimas, porque o dia estava quente feito o inferno, então ele dançava e dançava, talvez porque fosse triste (ou suspeita-se muito silenciosamente de que apesar de tudo, dançava, porque fosse feliz). Seus olhos tinham a cor de um céu castanho, daquele céu um pouco antes de anoitecer o dia. Mas há quem diga que seus olhos eram assim como o mar revolto, quando a maré acorda ressacada e furiosa e não há cor que a aplaque ou justifique. Só sei que eu não me esqueço dos seus olhos. Quando ele olhava fazia enrubescer as bochechas dos pobres coitados. Leonino obsceno, olhava dentro dos outros como se desnudasse a alma. 

Ninguém no mundo se lembrava do dia ou da hora exata em que havia nascido, ou de seu nome, mas existiam sérias conjecturas sobre as estrelas que ascendiam no horizonte do seu céu. Se fosse mesmo Aquário, talvez isso explicasse a sua elegante solidão.

No suposto dia do seu aniversário, Não-sei-quem o viu descer com um chapéu na cabeça e uma flor na lapela. Não-sei-quem o viu dançar mil músicas e devorar mil cigarros até a noite se empanturrar de estrelas. Essa bicha não tem nome?– resmungou um tipo lá dentro do bar. Essa bicha é muito abusada – disse  outro entre um pigarro e uma garrafa na mão.

Ele tinha a Lua em Câncer, e a Lua em Câncer faz sentir coisas demais. 

Quando o tempo fechou, não teve Mãe Preta que o acudisse, não teve socorro que o salvasse. Tudo lá no fundo aparente na superfície de Agosto, todos os seus segredos violentamente revelados. Dançou mais do que devia, desnudou a alma dos homens errados. Quando o encontraram, nem parecia gente, de tão partido era difícil juntar num retrato. 

Filho de Iansã, Leonino inveterado, Aquário no horizonte, Lua em Câncer, Cabra-macho.

1 comment:

Bruno Höera said...

Gosto de muitas vezes ficar tempos sem entrar aqui para que, de uma vez só, consiga engolir com os olhos todos os seus sentimentos em formas de palavras.
Um abraço!