Tuesday, May 15, 2012

Paisagem

Um resto de mato, uma flor, a margem de um rio, uma criança correndo, camiseta vermelha, o céu azul clarinho. A janela aberta para o que existe dentro e fora dele, para as coisas que ele pode alcançar além do muro impenetrável que cobre a cidade, que cobre o mundo todo,  mas nunca os seus olhos. "Da janela, eu vejo o mar"- escreveu certa vez em um dos seus cadernos, porque muitas vezes, ali sozinho, sentado em sua escrivaninha, completamente calado, enxergava a montanha verde e a relva verde como se recém descobertas depois da chuva; e o mar, quando via, era de grandes tormentas, navios eternos, embarcações de outros tempos. Teve, inclusive, um dia, que lá longe, ergueu-se a cabeça de um dragão furioso (ou de qualquer outro monstro que sobreviva às armadilhas do oceano profundo), e ele teve muito medo de que a fúria do monstro devorasse de vez os seus segredos guardados. Mas em dias calmos, desabrochavam pelo avesso flores amarelas, que ele não sabia o nome (nem queria saber), mas era como se fossem um pedaço do céu. 

Seu quarto ficava no fundo de um barraco improvisado, parede de tijojos, lâminas de latão, lona, jornais, mas era para além daquela triste visão, que o menino passava horas à espreita do mundo; passava a vida escrevendo páginas e páginas e abusando do privilégio das mais lindas e breves paisagens. 

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