Wednesday, January 25, 2012

Meu Filho

Corre pela casa, inventa seus brinquedos, não entende grande parte dos velhos rancores. Ama, porque é fácil. Não sabe se é preto, branco ou furta-cor, porque não pinta as pessoas em aquarelas psicóticas. Seus amores são líquidos, preenchem qualquer espaço, tomam a forma de garrafas, copos, vasos exóticos. Evita instintivamente os batizados malditos. Não acredita em deus, mas tem uma enorme admiração pelo que não entende e não vê. Desenha no corpo cruzes, estrelas, frases em sânscrito. Adora contar que teve seu corpo fechado por uma velha bruxa, que provavelmente nunca existiu de fato, mas é que adora contar qualquer coisa. Quando me olha, é como se soubesse de tudo que eu nunca vou saber na vida, e diz: Take it easy, man, a vida é bem mais simples do que parece. Depois se atrasa em viagens insólitas sentado na areia de frente para o mar. Meu filho se atrasa em tudo. Desde a primeira hora do dia, desde o tempo em que é só uma ideia (e faz muito tempo), meu filho se atrasa nas circunstâncias que o impedem de existir. Sempre é cedo demais, complicado demais. Meu filho ainda não nasceu, porque para ele nascer, eu teria que me tornar o homem que eu já sou, e para isso, já disse alguém muito antes de mim, seria preciso muita coragem.

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