Wednesday, November 03, 2010

Deus é o Mar

Menino curioso quis saber porque o pai chorava, pés fincados na areia, rede cheia de peixes. A Lua solta gabava-se da noite linda, um céu profundo desenhado no balanço das ondas. Tudo bom desde sempre. Tudo muito bom. Os barcos dançando para ninar as crianças pequenas. Hoje tem moqueca de camarão para jantar. Mas o pai soluçava inconsolável, cabeça escondida entre joelhos. Eu odeio este mar, dizia, eu odeio este mar. Filho então chegou perto, sentou-se ao lado do pai na areia da praia. Mas se o senhor é quem diz que o mar é a coisa mais linda do mundo? E eu não minto quando digo isso – chorava o pai com ainda mais dor e fúria. Na penteadeira do quarto ainda esperavam os colares de búzios. Pendurada na parede, na altura dos olhos, uma concha ainda guardava o som das marés mais altas, que sua mulher tanto gostava de ouvir antes de se deitar. Mas ela se foi e já não volta mais. Ao mar deve-se tudo. Ao mar não se pergunta nada. Deus é o mar.

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