Wednesday, October 20, 2010

Última vez

Distraídas que estavam, trombaram-se no saguão do aeroporto. Me desculpe, é que essa música me tira a atenção. E quando se olharam reconheceram-se velhas amigas, bem mais de mil anos atrás. Meu deus, é você? Mas ficaram assim constrangidas, porque tão fácil se notaria que não eram nada do que um dia prometeram ser. Tantos anos e você não mudou nada. Mentiam inquietas, uma vontade estranha de sair correndo, uma vergonha do tempo. E como estão os seus pais, o seu irmão? Aquelas perguntas tolas para tentar sobreviver. E pensar que mesmo a mais antiga intimidade desvanece impiedosa com o passar dos anos. São Paulo? Não, Madrid. Seria melhor morrer sem ter visto aquelas rugas desmoralizarem tão completamente a velha infância. É uma pena que eu esteja tão atrasada, queria poder ficar e conversar mais. Agonizavam de angústia e desespero. Quando eram meninas, fizeram um juramento no alto de uma árvore do quintal: envelheceriam juntas e seus filhos se casariam entre eles, outorgados a professar eterna amizade. Vamos tentar não perder o contato desta vez, por favor. E assim, viraram as costas e partiram. Como tinha que ser. E aos poucos, recolheram-se cansadas no conforto da nova estranheza. Foi a última vez que se viram.

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