Thursday, March 18, 2010

O Conto moral

Como num velho conto, ele encontrou no meio da estrada um animal caído, desses que não se deve aproximar jamais, a não ser quando completamente fragilizados. E levou-o para casa, contrariando os melhores conselhos. Cuidou de suas feridas como quem cuida de um filho doente, na tortura incerta de que a cada dia, o animal estivesse mais forte e mais próximo do que realmente era. Mas para aquele homem, não devia existir no mundo prazer maior que ver o pobrezinho desabrochar em toda a sua natureza selvagem, porque amor inteiro ele só conheceria quando fosse devorado pela fome voraz de seu filho. Até que chegou o dia, em que entrando no quarto onde dormia o bicho, encontrou o lugar devastado - cada detalhe destruído pela fúria de um monstro. Em um instante, sentiu seu bafo quente bem atrás de seu pescoço e, por uns poucos segundos, pôde ouvi-lo salivar; suas narinas abertas respirando com pressa e fome. O homem não duvidou de seu futuro e foi de fato mastigado sem piedade. Mas enquanto morria, pôde ver que bem fundo nos olhos da fera, escondia-se, quase que envergonhada, uma certa gratidão.

2 comments:

Victor said...

Seus textos são muito bons. Você sabe sentir.

Otávio Pacheco said...

Este conto pode ter um desdobramento infinito de metáforas.