Wednesday, March 21, 2007

Solidão guardada

Eu não vou dizer - eu disse, porque já não precisa- daí me calei, e teve aquele tempo perturbador dos olhos; éramos bem grandes, ou pelo menos voávamos bem alto, porque dava para ver todo o resto lá embaixo, todo o mundo. Ela disse: se você levanta a mão, sente uma brisa fria tocar nos seus dedos, e flutuávamos despreocupados; as cores eram jovens, meio exageradas, os problemas todos se atrasavam, porque sob a língua existia um segredo dobrado em mil partes, e da língua escorria sub-segredos pela saliva - me beija, eu já beijei tanta gente hoje. De cima, as pessoas eram meio parecidas, quase irmãs. Dividíamos a música de um mesmo ipod, a melodia fazia uns desenhos geométricos estranhíssimos, como os desenhos que eu faço quando falo com as mãos. Os amigos só servem para as horas boas- ela falou, porque amigos para as horas ruins não são amigos, são vampiros. Eu não disse nada, porque não queria responder coisas fáceis, mas traguei fundo o meu cigarro, ela continuou: a verdade é que a Terra é a única divindade possível (e suas palavras saíam cheias de fumaça da boca), o tempo que sempre passa é a melhor das hipóteses de deus. Você diz coisas profundas, falei e enchi nossos copos de martini. A noite era fria, estávamos sentados no parapeito de um prédio no centro de São Paulo, tocava Moon River só no piano (e o piano só tovaca para nós); as poucas janelas despertas na madrugada nos faziam companhia, cada cigarro era uma nova oração. Da vida, como existia antes, já não se tinha notícias há muitas horas...

3 comments:

Anonymous said...

"Eu, você, nós dois
Aqui nesse terraço à beira-mar
O sol já vai caindo
E o seu olhar
Parece acompanhar a cor do mar
Você tem que ir embora
A tarde cai
Em cores se desfaz
Escureceu
O sol caiu no mar
E aquela luz lá embaixo se ascendeu
Você e eu

Eu, você, nós dois
Sozinhos nesse bar à meia-luz
E uma grande lua saiu do mar
Parece que esse bar
Já vai fechar
E há sempre uma canção para contar
Aquela velha história de um desejo
Que todas as canções tem pra contar
E veio aquele beijo
Aquele beijo
Aquele beijo"

Anonymous said...

Parece o começo de algo. Vai continuar?

Pedro Mozart said...

oi!
vim parar aqui por acaso, como por acaso acontecem (quase) todas as coisas em nossas vidas.
a gente sabe que não existe acaso, mas ainda assim vamos levando.
e fiquei muito feliz em ler o q vc escreveu, o ritmo, a fluidez, o timing do papo, as citações, a música, tudo.
parei e pensei "poxa, agora encontrei algo bom".
aí resolvi deixar algo escrito.
em outras palavras, um elogio: pela beleza, pela delicadeza, pela musicalidade do texto.
parabéns :-)
abs
pedro