Friday, March 09, 2012

O Lama

Antes que ele entrasse na sala de jantar, alguém tratou de explicar que ele era o tal sujeito santo, um “Lama” mais especificamente, e que havia passado os últimos três anos em um retiro tibetano completamente isolado da civilização. É assim que nos chamaram: “civilização”. Eu olhei para o meu relógio, para minha taça de vinho branco e fiquei quase constrangido. E pensar que ontem mesmo eu estava na frente de uma vitrine para namorar um terno Burberry, tentando entender, mesmo que hipoteticamente, em quantas prestações eu poderia dividir aquele terno para que ainda sobrasse dinheiro para o aluguel. Os Lamas são silenciosos, alguém colocou sabiamente, por não falarem com ninguém por tanto tempo, perdem a necessidade do verbo, portanto, nos foi gentilmente solicitado que não o assustássemos com a nossa inconveniência ocidental.
Eis então que ele entra na sala. Um sujeito bastante simples, de roupas brancas, algodão crú, e um rosto não tão estranho assim. Eu poderia jurar que conheço este homem, mas alguém me repreende com um "Psiu, não seja ridículo". Devo tê-lo visto na televisão, dou um gole no vinho, aperto os olhos como quem vasculha lá dentro da cabeça todas as gavetas fechadas.

Abril de 2004, Copacabana, seis da manhã: dois bêbados sentados na sarjeta tentando encontrar onde raios haviam escondido os ácidos que tomariam na próxima festa. Puta que Pariu, você disse que estava na sua cueca. Uma tatuagem com alguma frase de Kerouac no ante-braço, ou era  deNietzsche, não sei. Pequenos pedaços da noite (quase uma invenção), pista, praia, cama improvisada com colchonetes de acampamento.

Meu deus - grito acidentalmente, como se vindo das profundezas de um lago e precisasse respirar depressa. As pessoas me olham assustadas, mas estou tão extasiado com a lembrança que não consigo evitar: Eu acho que comi esse Lama.

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