Monday, June 27, 2011

Não fosse esse pequeno detalhe

Não fosse esse pequeno detalhe, seria uma madrugada bastante normal: as luzes dos prédios quase todas apagadas, a noite cansada de um domingo cheio de coisas para fazer amanhã. Mas lá no alto daquele prédio, no penúltimo andar, uma luzinha fraca cintilava em um quarto quase esquecido. E debaixo de um edredom bordado com delicados ursinhos vermelhos, um garotinho de sete anos segurava uma lanterna e lia baixinho um livro para os seus brinquedos, que eram os únicos amigos a quem pudesse contar aquela história já tão tarde da noite. Ele segurava um livrinho desgastado com uma das mãos e a lanterna com a outra e apontava para seus desenhos coloridos com lápis de cor. Com aquela vozinha pequena, ele dizia: “Foi então que o Patinho virou-se e disse: Deixa estar, Jacaré, esta lagoa ainda há de secar. E não haverá nada além da lembrança deste lugar, desta hora e deste tempo eterno. Porque não tardará para que as folhas caiam e a natureza retorne ao que é sempre dela. A noite esfriará os seus dias mais quentes, os campos se definharão e a relva verde morrerá pálida e estéril. E nesta hora, Jacaré, você olhará dentro dos meus olhos e sentirá tanto frio e tanta medo, que lhe faltará coragem para fazer qualquer outra coisa além de apontar para essa lagoa seca e vazia e se calar de vergonha e solidão.” O menininho então fechou o livro e disse para os seus brinquedinhos: “Boa noite, amiguinhos, amanhã eu conto outra história para vocês dormirem” - e foi então fechando os olhos sem saber o que traria segunda-feira. Os sonhos todos misturados aos livros que gostava de ler, seus desejos tão pequenininhos e tão gigantes, os ursinhos bordados adormecidos e aquela vontade imensa de viver.

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