Tuesday, April 17, 2007

Da natureza inevitável I


O mundo é o cenário, a cena é a que está agora. Na fronte se desenha uma luz, que ilumina lágrimas e risos. Minha vida é um filme, às vezes vulgar, às vezes do mais delicado bom gosto. Quando estou feliz, me desperta a infantil arrogância de mostrar os dentes. Eu vejo os outros, e os outros me parecem estagnados numa valsa triste, dois para lá e dois para cá. Mas o filme muda, a música muda o humor das coisas, de repente, a tarde é toda melancolia. Quero estar só, eu e o mar - deixar o mar reviver o que só se viveu dentro dos homens. Ainda não se entende para quê vim. Não se sabe se sou bom ou mau. Existe uma corda bamba: hoje, dou a mão para alguém no precipício; amanhã, arqueio a sobrancelha e fumo como os anti-heróis. Se eu pudesse revisar essa história para amenizar o ódio que sentem dos vilões, eu dormiria mais tranqüilo.

Acendo um cigarro, tenho cuidado para não queimar a aba do meu chapéu. As mulheres são lindas, meio santas, meio putas. As cidades têm prédios com fachadas elegantes e fundos falsos, como as pessoas que vivem neles. Os carros reluzem mais que os cabelos. Quando penso, toca jazz; quando mato, escorre sangue pelas paredes, pelas manchetes dos jornais. O mundo inteiro esconde segredos muito além dos letreiros de néon, mas é a mim que eles buscam agora, é a mim que querem culpar da natureza inevitável de todos os outros segredos.


Desta noite, eu não passo. Já reconheço seus homens disfarçados pelas mesas do bar. Eu peço um scotch duplo sem gelo. A cantora sobe no piano. Eu me lembro de quando a amava em silêncio. Ela canta Summertime e olha para mim. Eu lhe agradeço com um sorriso de meia boca. Daí, me levanto um pouco bêbado. São poucos os minutos que me restam. Viro inteiro o meu scotch. Digo: Jimmy, fica com o troco. Ando cambaleante até a porta, saio do bar. Faz tanto frio aqui fora, que sobe um vapor dos esgotos, das bocas sujas, das almas insones. Alguém grita atrás de mim: Ei, você. E eu sei o que vai acontecer, é claro que eu sei, mas não é isso que me interessa agora. Um filme nunca é o que se conta, mas como se conta a história. Eu trago fundo. Meu último minuto é numa tela de cinema, nada poderia ser tão apropriado. Ele pergunta: Você acha, que depois de ter feito o que fez, sairia do bar e voltaria para casa? Eu lhe respondo: Espero que não. Ele me aponta uma arma. Sei que é uma arma, porque o cano estremece a minha nuca, como um beijo gelado. Você não vale nada, ele diz. Olho para a minha frente, e além da câmera, eu vejo poucas possibilidades.

1 comment:

Ricardo Imaeda said...

as cenas parecem clássicas.
só a natureza não o é.
a.