Aurora,
nome infeliz, não era louca, não era linda, nem era das mais brilhantes
criaturas, mas acontece que por desdobramento natural das coisas, para não
dizer "por muita sorte", Aurora tinha uma vida dessas bastante acertadas. Um marido tão
bom, mas tão bom, que vez ou outra o
chamavam de príncipe assim pelas calçadas, como aqueles dos contos de fada mesmo,
porque ele era assim dessas perfeições cartunescas, de parar e pensar “eu não
mereço isso”, mas Aurora não parava e não
pensava essas coisas.
Aurora
também tinha dois filhos, e eles eram quase sempre a exatidão de um sonho
realizado. E corriam pela casa, e a casa deliciosamente arejada, com as janelas
abertas e o jardim de cinema. Os livros lidos na estante eram da mais vasta e
elogiada literatura, como os sorrisos dos porta-retratos dos mais sinceros
sorrisos já fotografados.
Aurora não
tinha, portanto, na medida em que ela mesma não merecia isso tudo, qualquer razão
para que numa manhã de domingo, ela acordasse mais cedo, colocasse a primeira
roupa que encontrara na frente, e saísse pelo portão de casa assim
desprevenida. Ela não precisava fugir de nada.
Não tinha traído, nem mentido para ninguém. Não escondia dívidas nos bancos,
nem segredos impronunciáveis. Estava limpa, como o céu estava limpo e azul
naquela estrada. Mas ela foi embora.
O ônibus
parou em uma cidadezinha angustiada, feia e árida, de um calor desumano. Aurora
desceu suada, com o vestido molhado, o rosto vermelho e quente. Era ali que
queria viver. E também queria ter outro nome agora, talvez se chamasse Paula,
ou Marília. Foi direto para o hotel mais barato, que também era o hotel mais
caro, posto que era o único de lá. E por
nunca dizer pelo que buscava, por nunca em anos e anos explicar de onde um dia
viera, as pessoas de lá apostavam nos horrores desumanos de seu passado, nas misérias
abomináveis das quais Aurora, agora Marília, ou Paula supostamente havia fugido.
Pois Paula construiu uma casinha pequena e injusta, encontrou um marido daqueles bastante reais, e
varreu o chão batido e ninou as novas crianças chorosas de tanto calor. Naquela
nova casa, a velha Aurora não entrou um único dia. Naquele novo lugar, nos raios do fim do mundo, Paula foi muitas vezes triste, mas era livre para assim o ser, inclusive. Ali, ninguém, absolutamente ninguém, do começo da estrada ao final da ladeira; dos meninos sem nome, às mulheres na janela, ninguém era obrigado a ser feliz.